domingo, 12 de junho de 2011

Um entre tantos


Enquanto eu conto essa estória de encanto, dor e pranto. Há de vir um “entretanto” de amor que dá ao canto por enquanto um teor de esperança...
Contar-lhes-ei um caso de querer-bem de um soldado raso que sem temer o susto, lutava pelo justo amor a sua terra. Enfrentava o entreposto, mesmo que à contragosto, servia-se de continências sem rostos e sem motivo suposto em uma guerra.
Do outro lado, sem saber da vida do soldado raso, havia um destino que trouxera uma menina chamada Carolina para os campos do acaso e do amor que nunca erra.
O soldado já cansado, num momento desatento se deixou ser baleado. Com seus olhos apagados e mais a dor do ferimento fora finalmente derrubado. Sem sequer um movimento, nem de pernas nem de braços, conseguiu se por de lado e ver o sangue derramado a se juntar ao chão gelado.
Recém acordado, com um dos olhos entreaberto, de sua morte estava certo, sem saber que sua sorte lhe fizera muito forte pra vencer osso quebrado.
O soldado, tarde levantara pra jogar água na cara, sem ter tempo ele repara que a enfermaria se ilumina, como jóia rara na presença da menina, Carolina. Trouxe em mãos os seus cuidados, nos olhos inocência, no corpo a aparência que conquista reverência e transforma apaixonados.
Os olhos se cruzaram, o coração acelerado conduzindo o contato do homem que pra ela era só mais um soldado. Ele ainda trôpego, se refez inteiro em fôlego, sem saber no que pensar, falou sem gaguejar sugerindo um jantar com a dama mais bonita que ele vira respirar. A moça então corou, aceitou sem hesitar. E foi nessa ocasião, ao sentir suar a mão, que o sorriso lhe brindou com a emoção que o amor lhe reservou. A estória começou.
Mas como em toda estória de amor, o azar afronta a sorte, de Romeu e Julieta a Dom Quixote, que no final trazem a morte pra fincar a dor no forte. O soldado já curado, novamente enviado às trincheiras do injustificável, pra enfrentar a deplorável limitação humana, envolto no medo e na mazela de morrer enquanto ama, só fazia pensar nela.
Já a menina, a bonita Carolina, apertada de saudade, conhecera a parte boa da maldade e seus bocados, mergulhara nos pecados sem temer as possibilidades. Mas a paixão não se limita à certeza, e faz do fraco fácil preza, conduzindo aos caminhos tortuosos da vontade.
Eis que o soldado, antes forte e imbatível, submerso no controverso previsível de estar mais perto do invisível que é o amor, se rendeu de novo ao inimigo, tal como no incidente antigo, porém com um tanto a mais de dor. Viu novamente o chão de perto, sem ter ao menos descoberto o que a vida lhe guardava, chorava por saber que não veria novamente aquela que amava.
Carolina conheceu o amor, a dor e o pranto. Esperara, no entanto, que as rosas desse campo lhe trouxessem só encanto e se enganou. Provou caminhos tantos de espinhos  e quebrantos presentes no sentimento que aprendeu desde menina que continuamos vivos ao morrer por dentro.
Norhan Sumar

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Regionalidade


O temperamento regionalista, inerente a minha vontade, me intriga, irrita, incomoda, estimula.
Há algum tempo como forasteiro na terra cinza, de gente fria e clima não diferente, tenho aprendido a lidar com algumas diferenças minhas e alheias:
 A introspecção das pessoas como um consenso quase geral de comportamento;
A falta de comprometimento com a educação do “bom dia”, “boa tarde” e afins;
A pouca preocupação (ou nenhuma) em ser simpático, receptivo, turístico ou amigável.
Entre outras coisas.
Detalhes que me fazem aprender a conviver comigo mesmo; mostram-me que eu tenho todos os atributos pra ser a minha melhor companhia; que a solidão não é vilã, só precisa ser administrada e compreendida; mas que em nenhum lugar do mundo encontramos somente pessoas indisponíveis às relações interpessoais, isso estimula ainda mais a percepção e receptividade de quem busca o contato.
Ainda que com consideráveis diferenças de convivência, não me sinto excluído ou renegado. Confesso que nem me incomodo com a indiferença dos nativos. Afinal, nem sempre quero conversar na fila do banco, no ponto de ônibus ou no banco da praça. Essa novidade momentânea não me desagrada. O que me surpreende é que, mesmo me achando um forasteiro atípico por entender a personalidade local, não consigo negar as minhas origens e suas peculiaridades: cresci escutando que a minha regionalidade me faz esperto por natureza, cuja verborréia é capaz de convencer ainda que retórica, que a audácia é atributo insubstituível, que a eloqüência pode ficar pra última frase do discurso, que as pessoas me achariam malandro mas gostariam disso, que as mulheres me achariam canalha mas também gostariam disso e por aí vai.
A questão é que mesmo com esforço para aderir a certos comportamentos, os traços da personalidade que representam a regionalidade são esculpidos em nós, lapidados vagarosamente até que nos tornem um representante da terra natal. E querendo ou não, carrego comigo a vontade de manter acesa essa chama de regionalismo e saudade. E certamente o clima gélido, o comportamento frio e a garoa que nos recebem por aqui não representarão sequer ameaça de apagá-la.