sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Criando paixões, inventando amores

Logo ao entrar eu me deparo com um lago enorme - com proporções semelhantes a vinte ou trinta campos de futebol - as pessoas aqui andam de bicicleta, patins, skates, a pé, ou nem andam. Algumas se limitam (não que isso seja de fato um limitação) apenas a sentarem-se e apreciarem suas companhias e a cena privilegiada de comunhão salutar entre natureza e animal (incluindo-nos, é claro).
Caminho de vagar, observando cada passo meu e cada gesto alheio. Meus olhos parecem um pouco perdidos e pouco entrosados com meus anseios. Mas eu os compreendo. Afinal, que miscelânea de maravilhas!
As arvores parecem disputar entre si a que será mais esguia e bela; as aves parecem ter ensaiado uma coreografia por meses; a água do lago parece ter se ajustado à flora para favorecer o contraste; as pessoas, por sua vez, não fazem feio e tratam de ser tão belas em gestos que chego a me sentir deslocado e me pego olhando pra mim mesmo a comprovar se estou desfigurando esse paraíso.
Após cinquenta metros de caminhada - apenas cinquenta metros e eu poderia ir embora satisfeito - eu me deparo com algo no mínimo curioso e sento-me perto para descobrir o final da cena - chamo para minha companhia Fernando Sabino e Mário de Andrade que estavam em baixo do meu braço por todo esse tempo. Quatro meninas, lindas por sinal, na companhia de uma cachorrinha (que foi a única a caminhar os quinze metros que nos seperava para dar as boas-vindas) amarravam uma espécie de corda entre duas árvores. Isso me fez pensar desde uma rede até uma cabana de camping (se é que era permitido), mas nunca em um palco para prática de arte circense. Pois é, aquelas interessantes meninas andavam por sobre a corda e ainda conseguiam arrumar concentração para se fazerem belas.
Foi quando, movido por impulso ou atração involuntária, me levantei e fui até elas:
"Posso tirar uma foto de vocês?" Perguntei, deixando as quatro com a mesma feição de curiosidade e surpresa. "Ai, que vergonha!" Respondeu a artista do momento, em seguida consentindo permissão com um gesto que conciliava tremendo charme e alguma timidez.
Eu assim o fiz: fotografei o momento e sem trocar mais nenhuma palavra com as artistas do parque ofereci a câmera para que elas vissem o resultado daquela peripécia. Agradeci e me retirei.
Que tolo! Eu poderia ter conversado com elas. Elas são de fato interessantes! Eu permaneço olhando de longe, apreciando cada gesto de sutileza feminina associado ao charme dos movimentos artísticos. Mas Mário de Andrede e Fernanado Sabino estavam juntos dentro daquele livro, e são além de convincentes, muito convidativos. Eu mergulho nas páginas do livro, sentado sobre a grama fresca, com as costas apoiadas numa das belas árvores e quando encontro novamente a paisagem que me circunda eu noto que elas estão partindo e também me observando. Meu corpo pega fogo, começando pelos pés e subindo lentamente até esquentarem rapidamente meu rosto. Eu as observo partir, da mesma forma que elas observam a minha imobilidade.
Talvez eu estivesse apaixonado... Mas não por elas, pelo momento. Por aquele lugar de sol fresco e harmonia perfeita entre cores e sons. Olhei para os lados e percebi a presença do amor entre os vários casais presentes. Que contagioso esse sentimento! Voltarei na próxima semana para me apaixonar novamente, mas não só pelo parque, também por elas... pelas quatro, talvez por uma delas... Ou mesmo por outras. Afinal, adoramos mesmo um amor inventado.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

O ódio do amor


Trilha sugerida para leitura

Tudo que fiz foi por amar você. Mas você não percebia não se importava” nesse momento uma lágrima deixou um de seus olhos e contornou a maçã de seu rosto como se estivesse tentando ser suave com ele. Ventava muito naquela noite, mas nenhuma nuvem apareceu para testemunhar suas palavras. Não havia ninguém nos arredores capaz de ouvi-lo a não ser ela. Um silêncio noturno trôpego, interrompido apenas pelos animais que os faziam companhia, foi a única resposta que ele obteve. Diante do silêncio dela, cortado agora pelo assobio de mais uma rajada de vento, ele fora remetido por suas memórias à momentos outros:
            Ele agora podia vê-la de pé ao seu lado, dentro de um vestido branco longo, com detalhes em dourado e uma tiara que surgia de dentro de seus lindos cabelos loiros e a faziam parecer uma princesa. Ele trajava um elegante fraque, com uma gravata borboleta que parecia ter sido desenhada em sua camisa branca. Eles sorriam felizes e amáveis, assim como as cerca de duzentas pessoas que assistiam sentados aquela cerimônia.
            Tudo escureceu e agora ele estava caminhando sobre pedras milimetricamente encaixadas, cercado por uma grama tão verde que parecia ter sido pintada á mão. Era sua casa, como era linda sua casa - Era o que pensava ao fitar a cena de longe - as luzes apagadas esperavam por ele atrás da porta. Mas bastou abri-la para que num súbito elas se acendessem e ele se deparasse com todos os seus amigos e família. Sua primeira festa surpresa. Foi recebido à porta por uma linda mulher, de traços delicados, sorriso sereno e cabelos loiros em dois tons, presos em um pequeno rabo de cavalo que preservava parte dele solto até as costas. Ele a viu beijá-lo de forma apaixonada e pode ler seus lábios charmosamente corados com um batom discreto dizendo "eu te amo, querido! Parabéns!" Sentiu então seu coração secar, como se todo seu sangue estivesse evitando aquele lugar obscuro e gélido. Seus olhos fecharam novamente.
            Ele estava em um lindo quarto agora, podia ver um homem de feições enraivecidas, bravejando de maneira veemente impropérios ininterruptos.
“Você vai devolver essa merda de cama e essa porra de televisão.” Dizia aos gritos.
”Mas querido, sou vice-presidente da empresa. É uma vitória nossa...” As palavras saiam relutantes de sua boca, como se enfrentassem uma resistência armada na altura da garganta. Ao contrário das lágrimas, que pareciam as águas de um rio a rumar para o mar.
“Então porque você é a bem-sucedida aqui significa que tenha que me esfregar isso na cara?” Apontava para a televisão com uma ira irreconhecível no olhar.
            As imagens embaçaram e perderam forma lentamente, até que ele pudesse ver um homem chorando ao contemplar aquele mesmo ambiente, agora com a televisão totalmente destruída, com cacos espalhados por todo o quarto.
            “Eu a amo tanto! Por que ela tem que ser assim? Tão egoísta. Ela é egoísta... Ela faz isso pra me humilhar. Ela não pode fazer isso comigo.” Repetia ele, tão baixo que mais parecia uma espécie de resmungo sem nexo.
            Ao olhar aquele homem, aquela parte dele mesmo, sentiu-se como se estivesse caindo de um abismo. Seus pés não pareciam tocar o chão. O peso de seu corpo recaiu sobre seus tornozelos com tamanha força que o fez ajoelhar aos prantos. Ele era o egoísta, ele não percebera o quanto era amado. Não ela. Ela se dedicava à sua maneira; preocupava-se à sua maneira, feminina e insaciável como a maioria das mulheres; o amava intensamente em gestos. Mas sua dúvida, insegurança, egoísmo, não o permitiram retribuir esse amor. Não o permitiram sequer notar esse amor e suas proporções.
            Ele sentiu como se suas pernas estivessem enterradas no chão, ficou imóvel sentindo apenas o peso do vento a secar suas lágrimas.
            Abriu novamente os olhos e agora estava caminhando pelas lembranças de um casal cuja mulher era linda, amável, dedicada e o homem era tão insensível e egoísta que não percebera. Ele agora a tinha nos braços. Caminhava lentamente por uma estrada de terra cercada de árvores tão altas que não se podia ver suas folhas mais altas naquela escuridão. O vento parecia colocar as mãos em seu peito e rosto, forçando-o ao regresso. Mas ele ignorava. Não chorava ainda, estava inerte, inclusive à mulher loira, angelicalmente linda em seus braços, de vestido verde com um tecido fino, estampado por sangue em quase toda sua extensão. Ele a colocou no chão, observado de longe por ele mesmo. Estava morta, ele havia matado a pessoa que mais queria bem. Por egoísmo, inveja, ciúme, amor, matou a mulher que tanto o amava.
            A lua brilhava grande no céu. Uma maestrina de garbo para as estrelas inúmeras e o coral da fauna que circundava a cena. E agora ele se sentia covarde por querer viver. Sentia-se vazio, sombrio e envergonhado.
            Foi quando ele viu escorregar uma lágrima de um dos olhos daquele homem.
“Tudo que fiz foi por amar você. Mas você não percebia, não se importava...”
Por Norhan Sumar

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Nortinamentesulino-centrosudestino

          Passada a primeira semana, superado o primeiro choro incessante após as palavras no telefone da criança amada que fora deixada para trás, visitados os primeiros e lindos lugares na companhia do mais novo amigo. Nesse breve período de novas experiências, percebi, de fato, que o que mais importa não são os lugares em que estamos ou que estão em nós, mas importa muito as pessoas que nos cercam e querem bem.
        Recém chegado em solos estranhos, como contei há pouco, ainda me esforço para adaptar ao que me parece uma cultura digna de outra nação. Sorte minha - ou não (já explico isso) tenho sido muito bem auxiliado por um nobre morador, vizinho de quarto da república que agora chamo de lar. O surpreendente é que esse morador não é curitibano. Na verdade é difícil dizer o que ele é. Nascido no Pará, vivido no Ceará, trabalhado por São Paulo, escolado no Paraná e andado por Maceió, ele é mais novo que meus vinte e três anos, mas carrega histórias tantas que fazem dos momentos vividos em sua companhia imensamente divertidos e proporcionalmente interessantes. Ademais, carrega uma generosidade intrínseca, prestatividade capaz de abrir as portas de seu quarto à um estranho e ceder a cadeira de seu nobre computador para as atualizações que vocês têm lido nos últimos dias - além de sugerir (experiência adquirida em seu blog) a maioria das mudanças estéticas e inovações que tem apresentado o "Pensou, tá falado!" nos últimos dias.
            A possível má sorte, citada no parágrafo anterior, se dá ao fato do mais novo amigo, e mais próximo de mim no momento, estar sendo consumido pelo seu espírito andarilho que o fez ser um nordestinosulista-centrosudestino, impulsionando-o para o retorno ao nordeste do Brasil. Desta vez para Fortaleza. Me parece que já perdi para distância a companhia do meu primeiro amigo feito em terras sulistas.
            Talvez, se eu me esforçar um pouco, atenuo meu egoísmo e até fique feliz por ele. Conservarei as lembranças de um cearense (escolhi o Ceará) bem humorado, amigo, companheiro, competente no trabalho (é o que dizem por aqui... mas eu acredito), cuja solicitude me permitiu tanto uma apresentação da cidade digna de guia turístico - que se perdia quase sempre, mas principalmente digna de um amigo próximo, rendendo algumas cervejas em lugares lindos (com mulheres lindas em igual proporção) como o Largo da Ordem.
               Do cearense que gosta de livros (embora seja réu confesso em não entender boa parte das palavras usadas nestes textos), contos e filmes de terror, ex-metaleiro, interessado em bons livros e filmes, solícito aos extremos, ficarão algumas recordações materializadas em doações feitas ao amigo aqui. Além disso, ficou um compromisso de devolve-lo tais utensílios daqui a um ou dois anos lá no nordeste do país. Talvez eu escreva bastante sobre a capital das tribos do sul do Brasil. Talvez eu sinta o peso da ausência do meu novo amigo. Mas talvez ele tenha surgido aqui (e na minha vida) para definir a próxima parada do bem-aventurado daqui a um ano: Fortaleza-CE. Nos vemos nas praias... Boa viagem, amigo!


domingo, 12 de dezembro de 2010

O amante insensível

Trilha sugerida para esta leitura:


Eram cachos milimetricamente moldados, um rosto com traços de menina desafiadora, cuja inteligência emanava de cada sorriso dado por ela. Ele, por sua vez, já havia notado, já conhecia seus passos de charme e seus sambas de outros carnavais. Ele não sambava tão bem, nem mesmo dotava características dignas – a seu ver - de serem lembradas por ela. Arriscou, por vezes, uma aproximação atípica, hora tímida demais, outrora demasiada indiscreta. Como é de se imaginar, nada funcionou com aquela que era dona da beleza mais instigante e intrigante vista pelo rapaz. Os anos consumiram suas adolescências e os caminhos conduziram seus passos em direções opostas.
Fotografia de Finomaxpictures
Muitos temores, inúmeros amores, intempéries e perdas escreveram duas histórias diferentes, com alguns pontos em comum. Ele já não lembrava mais da menina que o fazia inspirar e transcrever em versos suas mágoas do amor não correspondido. Ela, que nunca pensara nele da mesma forma, talvez, com alguma sorte, até lembrasse seu nome. Mas eis que, em meio a multidões e carnavais, seus olhares se cruzaram novamente. Não houve samba mal sambado que o fizesse frear aquela ânsia pelo tropismo entre os dois. Para surpresa de todos, ele aprendera a sambar, ele sabia o que dizer sem ser tímido ou indiscreto. Ele dotava, finalmente, de traços que o fizesse notável, quiçá “lembrável”. Mas ela também caminhara na direção do novo. O olhar feminino mais penetrante, acompanhado daquele mesmo sorriso, agora travestido com a segurança e independência de uma mulher, permaneciam a deixá-lo em desvantagem.
Ele descobrira que outros sambaram melhor e antes dele, que seus passos não eram suficientemente convincentes para uma dança a dois. Ele percebeu que toda aquela sensibilidade e capacidade de entendê-la, de transcrevê-la, de senti-la, de nada adiantavam. Conheceu a maior perversidade do amor: as pessoas que aspiram por amores dolorosos e difíceis. E por ser generoso e sensível, aprendeu, e tornou-se o mais insensível dos amantes.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Solos estranhos

            Há dois dias na tão desejada Curitiba... Tal como a maioria dos seres humanos (incapazes de vivenciar a felicidade plena), já encontrei motivos consideráveis ao redor para frear toda aquela ansiedade juvenil que alimentou meus anseios antes de ver do alto o maracanã.
            Seja pelo sol - tão discreto - que dá o ar de sua graça como se estivesse desbravando um lugar estranho; pela estrutura - tão européia - que me faz pensar como se existisse um oceano entre mim e o Rio de Janeiro; pelas inúmeras desistências - tão convincentes - que não massageiam muito a auto-estima de um recém-chegado; ou pela saudade de um calor humano que me permita alguns sorrisos gratuitos pelas ruas da cidade maravilhosa. Por essas e outras eu me abalo, me calo, escalo as montanhas da motivação atrás de ventos de ânimo que me soprem na direção correta.
            Na verdade, Curitiba te abraça - não que seus habitantes o façam - não à um recém-chegado, principalmente oriundo do Rio de Janeiro. Mas a cidade, essa sim te recebe de braços abertos mesmo sem um Cristo Redentor. Ademais, perdoem-me as curitibanas, mas ainda estou a espera de me surpreender com a beleza feminina que fora tão mencionada e referida por visitantes de outrora. Em contrapartida, insisto em acreditar que meu Rio de Janeiro faria uma bela disputa, de igual pra igual.
            Em busca dessa beleza, arquitetônica e feminina, que me fizeram desembarcar nestes solos, continuarei a minha exploração. Procurando ser imparcial e discreto, pois o oposto disso seria carioca demais pra ser aceito.
Por Norhan Sumar

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Que vá a despedida, que venha a saudade

A despedida parece atenuar os defeitos alheios. Tudo que se vê, em qualquer que seja a despedida, são as virtudes ganhando forma e se multiplicando de maneira a lacrimejar os olhos se remoendo pela culpa de ter de partir.
Essa nossa sensibilidade generosa nos faz “imacular” as mais enegrecidas figuras. A despedida é capaz de nos fazer salientar e enaltecer traços que nem apareceriam no baú da personalidade de algumas pessoas caso colocássemos lá dentro todo o resto.
Diante da hora de partir, os relacionamentos parecem estar em sua melhor fase, os amigos parecem precisar mais de você do que nunca antes, as pessoas e os momentos passam a ser muito mais completos e vastos – talvez pra compensar involuntariamente o vácuo que será trazido pela saudade -, você percebe mais os que te circundam e se sente muito mais percebido, você até passa a gostar daquele lugar que sempre teve vontade de abandonar.
Seja pelo rompimento das suas raízes, pela morte, pelo término do relacionamento (de todo tipo), pela abnegação voluntária ou por uma simples vontade de desprender-se, a despedida é dotada de uma generosidade ímpar, por vezes cruel. Ela, cuidadosamente, reorganiza a fila das suas prioridades e critérios, trazendo para mais perto da sua percepção o que de mais belos há nos momentos e nas pessoas.
A despedida se juntou a mim nesse momento da minha trajetória. Ando lado a lado com sua tristeza e travo embates ávidos por causa da sua forma volátil de ocultar intempéries do caminho. De fato não reclamo de sua presença, caminho olhando pra frente e ironizando a nossa relação inconstante, mas já posso ver a saudade me esperando a algumas esquinas daqui, onde certamente eu vou ser forçado a olhar pra trás. Ela eu sei que é muito mais forte que a despedida, muito mais inconveniente e impiedosa. Quem sairá vitorioso desse meu próximo encontro eu não sei, mas quando eu chegar lá eu conto.    
Por: Norhan Sumar