Eduardo insistia em
dizer que “antes de cobrarem dele uma conduta ética, moral, que a filosofia
tratasse de resolver o que era cada uma delas”. Em suas aulas de Economia
Política nas salas da Universidade, a figura de professor o permitia o
privilégio de incitar todo tipo de debate para então deixar que os argumentos
se confrontassem enquanto ele apenas observava sem manifestação. “O debate
quase nunca se faz entre idéias, mas entre pessoas e orgulhos, que as vezes até
se preocupam com as idéias”, se defendia ao conversar com Alfredo, professor de
Ciência Política e fervoroso membro do Partido Comunista. Nos idos da conversa
de bar dizia que a única ética que o contemplava era a contida no código da
profissão. “E olhe lá!” afirmava. Duas horas de conversa se passaram para que
Alfredo iniciasse sua confidência:
- Edu, tem uma aluna...
Cara, 18 anos de docência e uma conduta sem desvios. Mas ela eu não sei te
dizer o que tem, ela é única, meu camarada. Essa menina está me fazendo sentir
vivo de novo.
Alfredo insistia que
ele continuava a ser ético, ou seja lá o que fosse, apesar do romance. Com os
olhos marejados, perdidos em algum lugar acima dos ombros de Eduardo, comentava
a silhueta jovial, cabelos cacheados até aquelas nádegas redondas e imponentes,
olhos cheios de vivacidade, seios soltos por de trás daqueles vestidos,
afirmando ainda mais sua liberdade subjetiva. “Ela é dotada de uma ingenuidade
que me excita, me tira do prumo completamente, meu caro”.
- Até a ingenuidade
pode ter seu traço intencional, amigo – sorriu Eduardo com o canto da boca
antes de continuar – a mulher que sabe o poder que a ingenuidade exerce sobre
os homens, será ingênua sempre que puder.
No instante que Eduardo
tentava arrancar do amigo, diante daquele “desvio de conduta”, alguma
tranqüilidade ou sorriso com tais filosofias baratas, Alfredo, ao contrário,
empalideceu instantaneamente e fixou os olhos inexpressivos na porta do bar.
Parecia estar vendo o próprio Che Guevara entrando. Mas via, na verdade, a sua
aluna, jovial, travessa, trazendo uma segurança no andar e algo de instigante
no sorriso. Trajava um jeans que abraçava suas pernas até morrerem em suas
sandálias de couro trançado até os tornozelos, a blusa era algo indiano ou
afim, que deixava um dos ombros a mostra, no cabelo um rabo de cavalo que
deixava boa parte solta nas costas. Eduardo até compreendeu melhor seu amigo,
era realmente uma jovem muito atraente, mas caminhava na direção dos dois com
seu braço rodeando a cintura de um rapaz também sorridente e vivaz, beijando-a
o pescoço de tempos em tempos sem parar de andar. Daí a perplexidade de
Alfredo. Parou diante da mesa e com um “olá professores, é bom saber que vocês são
seres humanos também.” - um sorriso que não deixava claro ser de prazer ou
ironia, tão sensual que até Eduardo a desejou em silêncio – se abaixou e ao
beijar o rosto agora corado de Alfredo e continuou: “um beijo no meu melhor
professor”, e se atirou novamente nos braços do rapaz – um merdinha, segundo
Alfredo – que sorriu para os professores acenando com a cabeça e deu as costas,
levando consigo a aluna e sua ingenuidade.
- É meu camarada, a
ingenuidade nas mãos erradas pode causar um estrago.
Pobres homens, sempre
mais ingênuos do que imaginam.