quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Impressão

 
Theodoro sempre corria por lá. E com a mesma freqüência com a qual ele corria, era observado por Vanessa. Dessa vez fazia um sol convidativo de inverno, a praia não estava muito cheia por se tratar de uma quarta feira de agosto. Estava, como sempre, trajando uma camiseta branca, daqueles tecidos que facilitam a transpiração, shorts pretos, meias cano alto e um tênis branco que parecia ter sido projetado para ele. No seu Ipod o Djavan ditava o ritmo de suas passadas. Theo, como preferia ser chamado, não gostava de músicas muito agitadas para correr.
Voltemos a Vanessa. Uma jogadora de vôlei de praia profissional, loira, e alta como o de costume nesse esporte. Havia notado Theo há algumas semanas, com sua altura que superava 1.90M, cabelos negros e formas atraentes. A concentração se perdia, as bolas chegavam á areia antes que ela pudesse impedir, para a loucura tempestiva do seu treinador. Era uma mulher muito atraente e nunca tivera problemas para conquistar o homem que lhe despertasse o desejo. Aquela seria só mais uma investida.
Ele diminuiu as passadas, parou o tempo no seu Nike SportWatch GPS e começou seu alongamento para encerrar mais uma de suas corridas matinais. Ela já sabia que ele faria isso, ele era metódico. Sentou-se em uma das mesas do quiosque e ficou observando a disposição muscular daquele homem em cada movimento que fazia. Dali, a cerca de três metros dele, ela achou que seu bíceps parecia um pouco maior e suas coxas denunciavam a sua rotina de corrida.  O corpo de Vanessa estava quente e ela já pensava naquele homem a envolvendo com a força que parecia ter e sua nuca se arrepiou seguida de um tremor que certamente não era por conta do frio.
Theo já havia percebido a presença dela. Percebera também que ela trajava a indumentária de uma atleta e seu corpo não a deixava mentir. Ela usava brincos e tinha as unhas pintadas, mesmo ainda estando suada por ter acabado de deixar a quadra de treinos. Não passou em branco aos olhos de Theo que ela havia refeito o rabo de cavalo em seus cabelos. Sentou-se e esperou que aquela linda loira seguisse com seu plano de aproximação, que estava explícito.
“Bom dia! Posso sugerir uma reidratação com reposição de eletrólitos? A julgar pelo suor, acredito que tenha corrido bastante.” Sem rodeios a mulher falou se aproximando de Theo que a observava calado.
Ele sorriu, o que a fez arrepiar novamente. Ela adorava essa sensação que precedia o sexo. “E você acha que somente água não é capaz de reidratar um atleta?” Rebateu Theo.
“Só estava disposta a te deixar melhor preparado para uma próxima rotina de exercícios que possa eventualmente acontecer.” Enquanto a mulher falava, Theo se levantou e puxou uma das cadeiras para ela. Com um gesto ela agradeceu e continuou. “À propósito, meu nome é Vanessa.”
“Theo, prazer!” Dessa vez, ele notou que o rosto da mulher estava mais vermelho que o normal e optou por poucas palavras.
A conversa continuou quase como um duelo, com investidas ofensivas da mulher cujas pernas pareciam merecer um seguro contra sinistros e respostas evasivas do atleta amador que mantinha a boa forma correndo diariamente na Zona Sul Carioca. Ela, completamente envolvida com aquele bíceps rijo cada vez que Theo passava a mão nos cabelos negros, mal percebeu que ele estava sendo somente educado e não envolvido.
“Estou esperando alguém. Marcamos aqui para almoçarmos juntos.” Falou Theo, sem parecer embaraçado com a situação.
E como só acontece nas telenovelas e contos, nesse instante duas mãos cobriram os olhos de Theo e uma voz decidida pediu para que ele adivinhasse quem era.
Agora Vanessa estava com o rosto totalmente vermelho. Sentia suas bochechas tão quentes que poderia arriscar que queimaria as mãos ao encostar em si mesma.  Não conseguiu esconder que estava trêmula quando com a mão direita pegou seu suco de abacaxi com hortelã para tomar um gole e evitar a necessidade de algum comentário.
Theo, com seus gestos calmos e atraentes, ainda arrancando suspiros e arrepios de Vanessa, se levantou e fez as honras. Ainda segurando as mãos que cobriam seus olhos há pouco, apenas encostou os lábios nos lábios do recém chegado. “Oi amor, já estava ficando preocupado.”
Olhou para Vanessa e percebeu seu desconforto. Mas como seu namorado não permitia mais que um selinho em locais públicos, para evitar os olhares curiosos que ainda insistiam em incomodar, ele continuou: “Esse é Fred, meu namorado. Essa Vanessa, uma amiga de exercícios, amor.” Esperou que os dois se cumprimentassem, com o sorriso sem dar uma folga para os músculos de seu rosto, prosseguiu: “Até mais, Vanessa. Nos vemos por aí!”

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Amiga


“A gente podia chamar o Carlos e a Tati pra irem juntos, né amor?” Ela falava com um dos pés apoiados sobre o porta-luvas e o outro sobre o banco e nem ao menos olhava para o marido. No momento da pergunta passava um menino de bermudas no calçadão que para o desgosto dela segurava uma prancha que a impedia de ter uma visão completa da silhueta atlética do rapaz.
“Pode ser.” Respondeu ele, que por sua vez segurava o volante do seu novo Pajero com a mão direita envolvendo a parte superior do mesmo enquanto apoiava o braço esquerdo na janela, que independente do ar condicionado, ele gostava de deixar aberta – seja pelo vento fresco da Zona Sul carioca, seja pela necessidade de afirmar o status e o poder de dirigir um carro como o seu.
Os dois chegaram em seu apartamento que permitia uma vista privilegiada do mar de Ipanema através das janelas de vidro que se estendiam ao longo da parte frontal de toda a sala de estar. Mas nenhum dos dois sequer olhou para o balanço discreto do mar tranqüilo daquela manhã de domingo. Ela insistiu dizendo que o Carlos e Tati eram excelentes companhias, apesar da Tati ser mal educada e o Carlos ficar a maior parte do tempo enaltecendo as milhares de virtudes dela.
“Você não acha que ela fala alto demais?” Ela mantinha o monólogo com a sensação de que o marido nem a estivesse ouvindo. Mas ele nunca ouviu mesmo. E como sempre ela continuou mesmo assim: “E o Carlos, né? Vive falando que a mulher dele é isso, é aquilo. Chega a ser chato. Não sei como ela agüenta. Ela nem me parece ser isso tudo.”
Ele geralmente não ouvia boa parte das coisas que a mulher falava. Aprendera, depois de 14 anos com ela, que seria salutar pra ele e pro casamento que um filtro fosse colocado entre seus ouvidos e os impropérios que ela costumava dizer. Mas dessa vez ele ouvira e ela esperava ansiosa pela participação do marido naquela crítica a seus melhores amigos. “Se a gente chamar os dois, vamos ter que ir num lugar barato e chinfrim, porque eles não têm dinheiro. E você vai ficar reclamando no meu ouvido depois. Certamente.”
Ela já segurava o telefone em uma das mãos quando o marido respondeu. E como também era de costume, começou a discar o número da Tati como se não tivesse ouvido o comentário dele. O celular chamou três vezes antes que uma voz respondesse, seguida de alguns sorrisos que denunciaram que a felicidade não tinha nada a ver com a ligação, mas com alguma situação que precedia a mesma.
Ela ignorou os sorrisos e foi direta, sem conseguir esconder o quanto aquela felicidade constante deles dois a incomodava. “Oi Tati, tudo bem?” E como se já soubesse a resposta, continuou antes que a própria Tati tivesse direito a ela. “Claro que sim, né? Como sempre. Hoje eu e o Thomas vamos fazer alguma coisa a noite. Pensamos em jantar naquele restaurante perto do Posto 5 em Copacabana. Eu sei que é um pouco caro, mas queria te ver, amiga. Estou com saudades. Vamos?” Ela ignorou também o que seu marido falara e chamou o casal para jantar em dos restaurantes mais caros da orla. Queria frustrar a sua amiga. Ou no mínimo explicitar a inferioridade financeira deles dois.
Tati não levava a sério essas investidas maldosas de sempre. Gostava de sua amiga há 16 anos, desde os tempos da faculdade e entendia as mazelas de uma vida que prendia sua amiga num casamento cujo retorno único e precípuo é o financeiro.
“Não posso, amiga. Estamos voltando da praia. Já viu como  mar de Ipanema está lindo hoje? Estávamos aí perto da sua casa. Só não liguei porque sei que vocês não gostam ficar na areia. Hoje o Carlos vai fazer um jantar pra nós dois. Ele quer fazer meu prato favorito e disse que eu sou só dele. Só não sei o que ele está planejando fazer depois. É mole? Mas ele comentou comigo em chamar vocês dois pra um churrasco lá em casa semana que vem. Sei que é um pouco longe, mas queria que fossem.” Tati venceu a insistência da amiga. Ouviu mais uma vez a banalização das atitudes de Carlos. E finalmente ouviu que talvez ela fosse nesse churrasco na semana seguinte. Tati lamentou pensativa a vida da amiga, que sairia pra um jantar mudo com seu marido, num restaurante caro, pra compensar as inúmeras faltas do casamento.
Desligou o celular, olhou pela janela e contemplou as ondas. “Talvez a felicidade seja mesmo relativa.” Comentou com Carlos, que dirigia de volta pra casa segurando o volante com a mão esquerda, enquanto a outra acariciava a nuca de sua mulher.