“A gente podia chamar o Carlos e a Tati pra irem juntos, né amor?” Ela falava com um dos pés apoiados sobre o porta-luvas e o outro sobre o banco e nem ao menos olhava para o marido. No momento da pergunta passava um menino de bermudas no calçadão que para o desgosto dela segurava uma prancha que a impedia de ter uma visão completa da silhueta atlética do rapaz.
“Pode ser.” Respondeu ele, que por sua vez segurava o volante do seu novo Pajero com a mão direita envolvendo a parte superior do mesmo enquanto apoiava o braço esquerdo na janela, que independente do ar condicionado, ele gostava de deixar aberta – seja pelo vento fresco da Zona Sul carioca, seja pela necessidade de afirmar o status e o poder de dirigir um carro como o seu.
Os dois chegaram em seu apartamento que permitia uma vista privilegiada do mar de Ipanema através das janelas de vidro que se estendiam ao longo da parte frontal de toda a sala de estar. Mas nenhum dos dois sequer olhou para o balanço discreto do mar tranqüilo daquela manhã de domingo. Ela insistiu dizendo que o Carlos e Tati eram excelentes companhias, apesar da Tati ser mal educada e o Carlos ficar a maior parte do tempo enaltecendo as milhares de virtudes dela.
“Você não acha que ela fala alto demais?” Ela mantinha o monólogo com a sensação de que o marido nem a estivesse ouvindo. Mas ele nunca ouviu mesmo. E como sempre ela continuou mesmo assim: “E o Carlos, né? Vive falando que a mulher dele é isso, é aquilo. Chega a ser chato. Não sei como ela agüenta. Ela nem me parece ser isso tudo.”
Ele geralmente não ouvia boa parte das coisas que a mulher falava. Aprendera, depois de 14 anos com ela, que seria salutar pra ele e pro casamento que um filtro fosse colocado entre seus ouvidos e os impropérios que ela costumava dizer. Mas dessa vez ele ouvira e ela esperava ansiosa pela participação do marido naquela crítica a seus melhores amigos. “Se a gente chamar os dois, vamos ter que ir num lugar barato e chinfrim, porque eles não têm dinheiro. E você vai ficar reclamando no meu ouvido depois. Certamente.”
Ela já segurava o telefone em uma das mãos quando o marido respondeu. E como também era de costume, começou a discar o número da Tati como se não tivesse ouvido o comentário dele. O celular chamou três vezes antes que uma voz respondesse, seguida de alguns sorrisos que denunciaram que a felicidade não tinha nada a ver com a ligação, mas com alguma situação que precedia a mesma.
Ela ignorou os sorrisos e foi direta, sem conseguir esconder o quanto aquela felicidade constante deles dois a incomodava. “Oi Tati, tudo bem?” E como se já soubesse a resposta, continuou antes que a própria Tati tivesse direito a ela. “Claro que sim, né? Como sempre. Hoje eu e o Thomas vamos fazer alguma coisa a noite. Pensamos em jantar naquele restaurante perto do Posto 5 em Copacabana. Eu sei que é um pouco caro, mas queria te ver, amiga. Estou com saudades. Vamos?” Ela ignorou também o que seu marido falara e chamou o casal para jantar em dos restaurantes mais caros da orla. Queria frustrar a sua amiga. Ou no mínimo explicitar a inferioridade financeira deles dois.
Tati não levava a sério essas investidas maldosas de sempre. Gostava de sua amiga há 16 anos, desde os tempos da faculdade e entendia as mazelas de uma vida que prendia sua amiga num casamento cujo retorno único e precípuo é o financeiro.
“Não posso, amiga. Estamos voltando da praia. Já viu como mar de Ipanema está lindo hoje? Estávamos aí perto da sua casa. Só não liguei porque sei que vocês não gostam ficar na areia. Hoje o Carlos vai fazer um jantar pra nós dois. Ele quer fazer meu prato favorito e disse que eu sou só dele. Só não sei o que ele está planejando fazer depois. É mole? Mas ele comentou comigo em chamar vocês dois pra um churrasco lá em casa semana que vem. Sei que é um pouco longe, mas queria que fossem.” Tati venceu a insistência da amiga. Ouviu mais uma vez a banalização das atitudes de Carlos. E finalmente ouviu que talvez ela fosse nesse churrasco na semana seguinte. Tati lamentou pensativa a vida da amiga, que sairia pra um jantar mudo com seu marido, num restaurante caro, pra compensar as inúmeras faltas do casamento.
Desligou o celular, olhou pela janela e contemplou as ondas. “Talvez a felicidade seja mesmo relativa.” Comentou com Carlos, que dirigia de volta pra casa segurando o volante com a mão esquerda, enquanto a outra acariciava a nuca de sua mulher.
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