Ao som de Cazuza, “Trem das Estrelas”,
que deixava o dispositivo móvel e se disseminava na mente deles através do fone
de ouvido, entrou o casal em mais um ônibus lotado da cidade. Na realidade, “transporte
público naquele país era famoso por ser desagradável”, pensava ele ao ter que
ficar de pé para que ela sentasse ao lado de um sujeito mal encarado com um
rosto redondo, uma cabeça parcialmente calva e um resquício de barba
assimétrica no rosto, em um banco que ficava na metade exata do ônibus. No
banco de trás, uma mulher de meia idade, talvez com uns 35 mas aparentando 45
anos ladeava uma criança de aparentes 5 anos que provavelmente nem pagara sua
passagem devido a lei que a amparava e ali estava a ocupar um assento. “Que
merda de lei! Ela está mais nova, tem mais vitalidade.” Bravejava apenas para a
própria mente. Via-se uma idosa em pé e muitos dormindo, ou fingindo estar para
permanecerem sentados até o alívio de ver alguém dar lugar a ela. Eram cadeiras
reclináveis e acolchoadas, com um arzinho gelado resfriando o pescoço dele, que
observava sua menina dormir ao lado daquele calvo com “cara de sujo”. “Ah, mas
se esse monte de merda encosta nela.” Pensava no que lhe parecia um impulso de
coragem que não era comum. Retirou momentaneamente o fone do próprio ouvido e
percebeu que o ambiente continha uma trilha sonora específica, oferecida por um
passageiro que parecia não se preocupar com fato de não compartilharem do mesmo
gosto musical que o seu. Foi quando se
ouviu um estampido seco e breve, seguido de muitos gritos desesperados. Muita
gente levantando, correndo, pessoas se jogando no chão sem deixar que curiosidade
os fizesse procurar a origem dos tiros. Ele nunca havia escutado um tiro de
fato. E outro estampido. Ele ficou em pânico. A sua menina estava longe dele.
Fora arrastado para a frente do ônibus por duas mulheres exacerbadamente em
pânico. Viu que no final do ônibus havia dois corpos no chão, um sobre o outro,
sem vida, com algo que parecia sangue a manchar as roupas e o chão, um homem
empunhando uma pistola cromada que ofuscava o olhar daquele reles estudante de
geologia. Sem considerar sua inabilidade e fraqueza correu em direção ao homem.
Só lhe passava pela cabeça salvar sua menina. O homem segurava a arma como quem
soubesse o que fazia. Olhou para a carcaça franzina do rapaz que vinha em seu encontro
e não hesitou. Mais um disparo foi dado. Ouviu-se um estampido seco e breve
novamente, seguido de um grito desesperado, mais alto e lamurioso do que os
outros. A menina saltou em cima do seu herói, mas não havia sangue nem sinal de
tiro. “ele estava vivo.” Ela não pôde acreditar, o pranto continuou, mas agora
com alguns grunhidos de alívio. O homem atirou contra si mesmo, mirou no lobo
temporal e disparou. Matou o casal sentado no último banco e acertou a própria
têmpora. Levou com ele as possibilidades de explicação do feito, do ocorrido.
Levou com ele os motivos junto com as vidas, de forma egoísta, como quem no
conforto de um assento ignora um ancião de pernas cansadas e aparência abatida
que permanece de pé. Não disse palavras, disse gestos, que talvez não na mesma
proporção, mas ainda sim egoístas como vários outros.
Norhan Sumar
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