terça-feira, 25 de dezembro de 2012

Tempos mais modernos


Em meio ao caos disfarçado
Compra-se vida sem saber
Todos se rendem a viver
De alguma forma controlados

O som da voz é quase sempre amordaçado
E por não saber a hora de sorrir,
já não se acorda sem querer dormir
Pois tempo é lucro no mundo do mercado

Tem quem trabalha e não consome
Quem coma muito bem
Porém também quem tenha fome

E na injustiça cresce o bicho homem
O sofrimento permanece aquém
Comumente só se muda o nome

A fuga


"Loucura"
Agnelo Bronzino
Robin era um menino pacato, quieto, aguerrido somente quando se tratava de reparar alguma injustiça com o gordinho ou o nerd da turma da escola. Gostava de ser chamado de Robin e sempre dizia não ver problema algum em ter inventado seu próprio apelido, pois quando outros inventavam geralmente eram depreciativos. Costumava dizer que o apelido era em homenagem ao Hood, por ser o único super-herói que fazia uma justiça real de reparar as desigualdades, roubando de ricos e dando aos pobres. “Essa coisa de monstro de terra, robô com poderes, homem pinguim, gente voando, pode até ser divertido, mas não existe. Existe gente rica e gente pobre, gente com muito e gente miserável. Herói pra mim é quem enxerga isso.” Dizia sempre com veemência, alheio a quase tudo que poderia ser mais comum por conta de sua idade. Robin não se interessava muito pelas rodas de conversa da sua turma de sétima série colegial. A única coisa que o rapaz não conseguia renegar era a ebulição oriunda da idade: corpo, pelos, hormônios, dúvidas, revolta. Certa vez, num daqueles dias em que o adolescente parece não caber dentro de si e algo precisa sair - tudo precisa ser dito ou não haverá espaço para pensar mais, criar mais - ele perguntou a professora de geografia porque era mais importante decorar as capitais estaduais do que descobrir os motivos pelos quais alguns homens tinham muita terra, muitas casas e outros homens não tinham nada e viviam nas ruas. A professora, confusa, preferiu encarar como uma afronta ao seu plano de aula diante da insistência do menino por uma resposta e lhe aplicou uma ótima advertência e um passeio à direção. Robin era perguntador, curioso, mas ninguém parecia interessado em fazer as mesmas perguntas que ele. Me parecia estar nascendo uma árvore, repleta de galhos, bons frutos e uma bela sombra a servir muitos que passassem por ela, mas a quantidade de jardineiros imperitos a podar seus galhos, seus questionamentos, arrancando-lhes os frutos antes de estarem maduros era tanta que as dúvidas foram permanecendo aprisionadas, a capacidade de expor foi se eximindo aos poucos. A questão é: as palavras precisam ser ditas, as perguntas precisam ser feitas, as respostas precisam ser perseguidas (e nem sempre encontradas), ou a mente transborda.


Robin estava tirando dos ricos e dando aos pobres, assim como sempre quis. Com seu arco em punho, de flecha em flecha ia derrubando os guardas até chegar ao próximo tesouro para então fazer a festa de quem queria no mínimo comer. Corria pelas ruas bravejando contra as injustiças do mundo, dizendo ser Robin Hood e tentando formar um exército de aliados. O apelido de criança (que ele dera a si próprio) se tornou realidade, ainda que só para ele. Foi seu primeiro delírio, e nem teve tempo de chegar ao momento de repartir o tesouro encontrado, tranquilizantes impediram o feito nobre da justiça, homens de branco se encarregaram da imobilização com aquela camisa estranha que faz a pessoa abraçar a si mesma – o menino percebeu e achou intrigante que único abraço recebido ao vesti-la seria o próprio – bela recompensa por fazer justiça. Ninguém falava nada além de nomes de remédio e doses acompanhadas de olhares inexpressivos que pareciam significar alguma coisa. Enquanto a mãe chorava o menino só tentava explicar que ele estava fazendo o justo, sem entender porque ninguém concordava com ele.
A mente dele transbordou pela primeira vez aos dezoito anos. Não se pode subestimar a mente, ao passo que a enchemos a todo o tempo com tanta contradição e perguntas sem respostas, devemos esvaziá-la na mesma medida – ou ela encontrará a sua própria rota de fuga.