"Loucura"
Agnelo Bronzino
Robin era um menino pacato, quieto, aguerrido somente quando se tratava de
reparar alguma injustiça com o gordinho ou o nerd da turma da escola. Gostava
de ser chamado de Robin e sempre dizia não ver problema algum em ter inventado
seu próprio apelido, pois quando outros inventavam geralmente eram
depreciativos. Costumava dizer que o apelido era em homenagem ao Hood, por ser o
único super-herói que fazia uma justiça real de reparar as desigualdades,
roubando de ricos e dando aos pobres. “Essa coisa de monstro de terra, robô com
poderes, homem pinguim, gente voando, pode até ser divertido, mas não existe. Existe
gente rica e gente pobre, gente com muito e gente miserável. Herói pra mim é
quem enxerga isso.” Dizia sempre com veemência, alheio a quase tudo que poderia
ser mais comum por conta de sua idade. Robin não se interessava muito pelas
rodas de conversa da sua turma de sétima série colegial. A única coisa que o
rapaz não conseguia renegar era a ebulição oriunda da idade: corpo, pelos,
hormônios, dúvidas, revolta. Certa vez, num daqueles dias em que o adolescente
parece não caber dentro de si e algo precisa sair - tudo precisa ser dito ou
não haverá espaço para pensar mais, criar mais - ele perguntou a professora de
geografia porque era mais importante decorar as capitais estaduais do que
descobrir os motivos pelos quais alguns homens tinham muita terra, muitas casas
e outros homens não tinham nada e viviam nas ruas. A professora, confusa,
preferiu encarar como uma afronta ao seu plano de aula diante da insistência do
menino por uma resposta e lhe aplicou uma ótima advertência e um passeio à
direção. Robin era perguntador, curioso, mas ninguém parecia
interessado em fazer as mesmas perguntas que ele. Me parecia estar nascendo uma
árvore, repleta de galhos, bons frutos e uma bela sombra a servir muitos que
passassem por ela, mas a quantidade de jardineiros imperitos a podar seus
galhos, seus questionamentos, arrancando-lhes os frutos antes de estarem
maduros era tanta que as dúvidas foram permanecendo aprisionadas, a capacidade
de expor foi se eximindo aos poucos. A questão é: as palavras precisam ser
ditas, as perguntas precisam ser feitas, as respostas precisam ser perseguidas
(e nem sempre encontradas), ou a mente transborda.Agnelo Bronzino
Robin
estava tirando dos ricos e dando aos pobres, assim como sempre quis. Com seu
arco em punho, de flecha em flecha ia derrubando os guardas até chegar ao
próximo tesouro para então fazer a festa de quem queria no mínimo comer. Corria
pelas ruas bravejando contra as injustiças do mundo, dizendo ser Robin Hood e
tentando formar um exército de aliados. O apelido de criança (que ele dera a si
próprio) se tornou realidade, ainda que só para ele. Foi seu primeiro delírio,
e nem teve tempo de chegar ao momento de repartir o tesouro encontrado,
tranquilizantes impediram o feito nobre da justiça, homens de branco se
encarregaram da imobilização com aquela camisa estranha que faz a pessoa
abraçar a si mesma – o menino percebeu e achou intrigante que único abraço
recebido ao vesti-la seria o próprio – bela recompensa por fazer justiça.
Ninguém falava nada além de nomes de remédio e doses acompanhadas de olhares
inexpressivos que pareciam significar alguma coisa. Enquanto a mãe chorava o
menino só tentava explicar que ele estava fazendo o justo, sem entender porque
ninguém concordava com ele.
A
mente dele transbordou pela primeira vez aos dezoito anos. Não se pode
subestimar a mente, ao passo que a enchemos a todo o tempo com tanta
contradição e perguntas sem respostas, devemos esvaziá-la na mesma medida – ou
ela encontrará a sua própria rota de fuga.
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