Ela
saiu dizendo que precisava caminhar, andar por aí, sozinha, conhecer mais da
vida, dos outros, de tudo. Não quis ninguém perto, ou talvez ninguém que já estivesse
perto tenha entendido o propósito da caminhada. Também pudera, uma caminhada de
incertezas, de dúvidas, sem rumo, sem saber da volta. É compreensível a
perplexidade de todxs. Mas precisa todo projeto ter roteiro? Perguntava ela a
quem a desafiasse por uma explicação.
No limite
das coisas, ela sabia dos riscos de andar só, nem sempre só, claro. Mas de
andar por si só, pra si só. A caminhada exige fôlego em diversos momentos, a caminhada
sem destino apresenta surpresas e encontros por ora maravilhosos, mas também
riscos e tropeços. A caminhada da vida acompanha a magia traiçoeira do
imponderável.
Algo
que ela não mediu foi que ninguém pararia enquanto ela caminhava. As coisas seguiriam
sua ordem, nem sempre natural, mas seguiriam, não estariam estáticas à sua
espera. Conheceu na prática o ensinamento de Heráclito: “Ninguém pode entrar
duas vezes no mesmo rio, pois quando nele se entra novamente, não se encontra
as mesmas águas, e o próprio ser já se modificou”. E voltou, mas ao voltar
não encontrou o ambiente controlado que deixara para trás. Isso remodela a
todxs, tensiona a sua postura e suas ações. Afinal, como agir agora que ninguém
é mais o mesmo? E mais, como agir agora que todxs que deixou ali mudaram sem ela?
Sem o acompanhamento dela. Quem será que se tornaram?
A
questão é que, depois de cada tropeço ela insiste, andar é preciso para ela.
Andar segue sendo preciso. No caminho, ela se descobre em cada encontro, se
renova a cada parada, se transforma a cada lágrima e se mata a cada dúvida. E só
assim ela é capaz de renascer.
Somente
assim é possível viver e sentir a brisa da liberdade e a lâmina lancinante da
solidão. Você vai perguntar: mas a solidão não é importante? Conviver consigo não
é fundamental para saber conviver com os outros? Ela dirá que sim, claro. Mas a
mesma solidão que te preenche, planeja para você, sem o seu consentimento, um futuro
distante das convenções. A solidão observa você enquanto você acha que a observa.
Ela te domina enquanto você pensa que a domina. A solidão desconhece suas companhias. Ela as ignora, passa por cima delas como se nem existissem, somente para te remeter a um passado guardado na memória.
E sabe o que faz? Ela
diz que é preciso transformar a solidão em solitude, desafiar o que se pensa
sobre estar só e, com isso, não se sentir vazio, mas repleto de si mesmo. Ela,
a alma, segue a caminhada, sem rumo, mas aprendendo a lidar com cada surpresa
que o caminho reserva, (in)consciente que entre o bom e o mau há uma vida de
encontros.
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