“você não vai ter coragem de ir até lá, vai?” Perguntou o amigo cauteloso, tão assustado quanto os outros dois.
“Claro que vou, Pedro. Deixa de ser medroso, é só um mendigo.” A coragem lhe aflorava a face. E ele caminhou em direção ao maltrapilho que falava alto, coisas que pareciam não fazer o menor sentido para os quatro meninos.
“Arthur, toma cuidado com o cachorro dele.” - Alertou o menor dos amigos - “não chega muito perto.”
“Confia, Paulo. Olha bem pro Aldo, parece até querer vir comigo.” - arriscou estendendo a mão em direção ao amigo - que fingiu não ter ouvido, aproveitando para esconder as mãos no bolso.
E assim foi o mais corajoso dos meninos. A felicidade lhe saltava os olhos. Parecia não temer nem um pouco aquele homem de barba longa e branca, cabelos sujos e mal cuidados, com roupas rasgadas e de hábitos muito duvidosos. O homem vivia naquela praça a repetir frases que os meninos pouco entendiam: “Eu que sempre contestei pouco, conservei minhas virtudes desde a vivacidade juvenil, e hoje vivo feliz à minha maneira, sem me render aos hábitos desse mundo hostil. Você que sempre contestou muito, foi um jovem de ideal, hoje se rendeu, e na sua própria mediocridade banal é mais infeliz que eu...” Ouvindo as palavras do velho homem, Pedro se aproximou diminuindo a velocidade dos passos quanto mais perto chegava. Pra sua surpresa, o homem levou a mão ao bolso e tirou de lá um embrulho laminado que começou a abrir com cuidado.
“Não esqueça de levar um pouco pros seus amigos.” – Falou o velho homem, oferecendo ao menino o papel laminado com alguns pedaços de chocolate dentro.
Arthur não recusou às boas vindas, mas antes que pudesse fazer as dúzias de perguntas que tanto queria fazer o homem continuou: “Agora pode ir. Não quero que pensem que estou fazendo mal a uma criança. Mas obrigado por vir aqui. Você tem muita coragem. Não é qualquer um que chega perto de um velho louco como eu.”
“Obrigado!” Foi tudo que o menino conseguiu dizer antes de se virar e começar a correr o mais rápido que podia em direção aos amigos.
Aldo, Pedro e Paulo não quiseram comer os chocolates dizendo que deveriam estar podres ou envenenados. Arthur os comeu só. Assim como pulou só da ponte até o rio certa vez. Entrou tantas vezes na propriedade de Seu Inácio para afanar algumas frutas, tendo Paulo o acompanhado apenas uma vez. E fez tantas outras coisas que com o passar dos anos fizeram de Arthur um homem cheio de histórias pra contar e experiências na memória.
Naturalmente, os três amigos de Arthur casaram, tiveram filhos e continuam a se reunir para lembrar as aventuras que somente Arthur vivera. Todos na cidade conheceram o menino dos sorrisos e do bom coração; das aventuras tantas que algumas passaram a ter moldes de lendas contadas pelas avós a seus pequenos netos. Já Arthur, talvez seja mesmo protagonista de mais uma história cujo final ninguém nunca saberá contar. Na cidade ele não é visto há alguns anos. Sabe-se apenas que um dos netos de Paulo, ao visitar sua tia no estado vizinho, contou ter recebido um papel laminado cheio de chocolates de um velho maltrapilho que falava “um monte de coisa estranha” e mandou um forte abraço para os três amigos mais corajosos que ele conhecera.
Norhan Sumar