segunda-feira, 16 de dezembro de 2019

Sorrisos de distância

Permanecemos a um sorriso de distância
E quantas distâncias haverão
Até que não possamos mais sorrir?
Quantos abraços sem calor
Quantos beijos sem amor
Vão atravessar minhas noites sem dormir?

Convivendo contigo à distância
De tantas vezes que você sorriu em vão 
Sem perceber que mesmo longe eu estava ali
Testemunhando seu furor 
Entregando a outros seu sabor
Em destroços como nosso próprio devir

Entre sorrisos enfrentando a distância
Me perdi de novo no olho do seu furacão
E na enxurrada do seu corpo vivi
Submerso no prazer e dor
Réu confesso daquele desamor
Que precisou matar pra decidir

Me ensina a encurtar tanta distância?
e o que fazer pra segurar sua mão
Acordar e ainda te ver aqui
Pra atestar que o temporal passou 
Detestar quem ousar se opor 
Que está decidido, seu  lugar é aqui

quinta-feira, 28 de novembro de 2019

Saudade fudida

Saudade fudida
do encontro dos corpos
do tilintar dos copos
que acompanhavam o papo bom
e nos faziam querer ficar
para ver raiar o dia
ver a cidade acordar
e decidir se a gente dormia
ou cedia ao toque da pele
de dois corpos que se preenchiam
e se inundavam de tanto chover

Saudade fudida
de compartilhar a visão de mundo
o nosso mundo particular
aquela casa na praia
a saia longa de poá
as festas cheias por nós dois
depois a música no bar
gozar de tanto querer e ter
tentar te entregar no toque
o calor que teu cheiro me dá
pra viver de prazer

Saudade fudida
da briga pra querer mais
mudar essa porra toda
O mundo trôpego e inconsciente
a falta de fôlego que dá na gente
o cansaço que dá na mente
e o refúgio que era chegar
Te ver tão linda de sorriso largo
de corpo convite permanente
de desejo de beijar a porta
pra adentrar seu sagrado lar

Saudade fudida
De sonhar juntos
Sintonia louca e inimaginável
de viver tudo agora
de querer a imensidão e nada
de passar a tarde no ar
a noite no bar, sem amanhã
aprender a sorrir pra tudo
a fazer amigos e bons vizinhos
a brigar pra você a vida
querer pra mim
Saudade fudida

quarta-feira, 20 de novembro de 2019

Dias

Tem dias de se sentir abalado
Perceber a catástrofe de tudo
Daquela coragem que te empurrou
A passos largos para o absurdo
Precipício de nós, coração devastado

Tem dias em que o sorriso hesita
Que o teu andar é mais trôpego 
E teu santo desistiu do andor
Pra ir sozinho mesmo sem fôlego
E te deixar com o amargor de quem te evita

Tem hoje que suplica pelo amanhã
Tipo esperar a bonança durante a tempestade
E da janela ver todo aquele estrago
Enquanto o trago do vício engana a saudade
Mas te assopra a verdade da sua vida vã

Tem música que parece não ter fim
Porque acaba mas continua viva ali
Dilacerando memórias em tristeza
E a certeza de querer o final de si 
Do anormal de erros que se inundam de mim

Tem  dias que eu não quero mais ser
Nem parecer o que todos querem 
Gritar até ficar rouco (ou louco)
Sumir e apagar da mente os que me ferem
Em troca do início de qualquer coisa pra viver 

quinta-feira, 26 de setembro de 2019

Então agora

E agora vem você me ignorar? 
Depois de perguntar sobre meu dia
De mandar selfie e descrever sua rotina
Me viciar nas músicas que me enviou
Sem ao menos me dizer alguma coisa
E agora vem você me ignorar
que precoce o encantou acabou

E agora que a sua foto não está mais aqui
Nem o seu rosto eu vejo mais
O arremedo de proximidade se esvaiu
Nem parece que acordei com a sua voz
Que vivemos pele intensa sem mediação 
E agora que a sua foto não está mais aqui 
Junto com o que achávamos de nós

E agora que eu não sei mais o seu nome
Porque aquele parece estar em outra boca
Nem parece que sua perna já abraçou meu desejo
Ou que nós já existimos em intensidade
Ontem já faz tanto tempo que nem sei
E agora que eu não sei mais o seu nome
O espelho sempre me condena a insanidade 

E agora que a felicidade se apresenta
E se revela não exigir nada de mais
Nada do que não fôssemos capazes
Quando adormecíamos um dentro do outro
E que as noites pareciam não ter fim
agora que a felicidade se apresenta
Eu pareço não existir a não ser louco

segunda-feira, 16 de setembro de 2019

Escolhas

Eu, como você, fiz escolhas
Ora certas, ora erradas
As certas sempre silenciosas
Não avisam que estão ali
Nem que resultaram da boa escolha
As certas te fazem achar que tem pouco
Porque não se mede a falta que faz aquilo que você ainda não perdeu
As certas te fazem feliz, claro
Mas você nem considera que a felicidade venha de lá
Elas têm curta duração
e é esse o desafio
Resistir ao teste de fazê-las mais uma vez
Não duvidar que essas escolhas são o que melhor você pode sentir

Das escolhas, as que marcam são as erradas
Deixam cicatrizes e lacinam
Avisam que você sente o resultado do que quis, do que escolheu
Não te permitem esquecer que outra escolha era possível
Que teu choro é legítimo, mas é todo teu
Que errar, muitas vezes, é voluntário
E que você sempre perde com as escolhas
Mas o que se vai com as erradas dói sempre muito mais
Elas levam embora essência
Levam parte da história que você deveria viver
Por isso doem de uma forma quase hipotética
Doem pelo que foi, pelo que é e pelo que seria
Sangram a alma do forte, para testar a resistência da lucidez
Avisam que a sua escolha emancipou o outro
Te aprisiona para libertar alguém
E se te liberta, faz desnudar a realidade da liberdade:
Senão efêmera, vã e passageira, é medida pelo tamanho das correntes

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2019

Caminhada

Ela saiu dizendo que precisava caminhar, andar por aí, sozinha, conhecer mais da vida, dos outros, de tudo. Não quis ninguém perto, ou talvez ninguém que já estivesse perto tenha entendido o propósito da caminhada. Também pudera, uma caminhada de incertezas, de dúvidas, sem rumo, sem saber da volta. É compreensível a perplexidade de todxs. Mas precisa todo projeto ter roteiro? Perguntava ela a quem a desafiasse por uma explicação.
No limite das coisas, ela sabia dos riscos de andar só, nem sempre só, claro. Mas de andar por si só, pra si só. A caminhada exige fôlego em diversos momentos, a caminhada sem destino apresenta surpresas e encontros por ora maravilhosos, mas também riscos e tropeços. A caminhada da vida acompanha a magia traiçoeira do imponderável.
Algo que ela não mediu foi que ninguém pararia enquanto ela caminhava. As coisas seguiriam sua ordem, nem sempre natural, mas seguiriam, não estariam estáticas à sua espera. Conheceu na prática o ensinamento de Heráclito: “Ninguém pode entrar duas vezes no mesmo rio, pois quando nele se entra novamente, não se encontra as mesmas águas, e o próprio ser já se modificou”. E voltou, mas ao voltar não encontrou o ambiente controlado que deixara para trás. Isso remodela a todxs, tensiona a sua postura e suas ações. Afinal, como agir agora que ninguém é mais o mesmo? E mais, como agir agora que todxs que deixou ali mudaram sem ela? Sem o acompanhamento dela. Quem será que se tornaram?
A questão é que, depois de cada tropeço ela insiste, andar é preciso para ela. Andar segue sendo preciso. No caminho, ela se descobre em cada encontro, se renova a cada parada, se transforma a cada lágrima e se mata a cada dúvida. E só assim ela é capaz de renascer.
Somente assim é possível viver e sentir a brisa da liberdade e a lâmina lancinante da solidão. Você vai perguntar: mas a solidão não é importante? Conviver consigo não é fundamental para saber conviver com os outros? Ela dirá que sim, claro. Mas a mesma solidão que te preenche, planeja para você, sem o seu consentimento, um futuro distante das convenções. A solidão observa você enquanto você acha que a observa. Ela te domina enquanto você pensa que a domina. A solidão desconhece suas companhias. Ela as ignora, passa por cima delas como se nem existissem, somente para te remeter a um passado guardado na memória. 
E sabe o que faz? Ela diz que é preciso transformar a solidão em solitude, desafiar o que se pensa sobre estar só e, com isso, não se sentir vazio, mas repleto de si mesmo. Ela, a alma, segue a caminhada, sem rumo, mas aprendendo a lidar com cada surpresa que o caminho reserva, (in)consciente que entre o bom e o mau há uma vida de encontros.