Em uma roda de amigos, numa daquelas conversas informais, oportunidade ímpar de aprendizado e crescimento: falávamos de futebol, relacionamentos, proeminências corporais femininas exaltadas pelo “clube do bolinha”, entre outros assuntos que poucas vezes envolviam política.
Entretanto, umas das afirmações enquanto falávamos (bem, é claro) de um ser social, curiosamente chamou minha atenção: “ah, fulano é do bem, eu gosto dele”.
Diante do exposto, claro que a conversa continuou, muito embora a reflexão a respeito desta afirmação tenha feito com que eu perdesse alguns minutos de sono.
Ora, o que seria uma pessoa do bem nos dias atuais? Um Super Astro de dezesseis anos que canta músicas cujas letras e seus significados as suas fãs brasileiras mal conhecem? Um vampiro gelado, que por opção não mata gente? Um lobisomem quente, que por opção não gosta do vampiro gelado e quer a qualquer custo a sua namorada? Alguns sujeitos que usam calças coloridas e cabelos propositalmente bagunçados (sem ofensas), além de cantar músicas que fazem envergonhar um admirador da boa e velha (mas muito enxuta) MPB? Alguém com um exemplar do livro mais vendido do mundo embaixo do braço, que anda por aí abençoando a alguns, julgando as preferências de alguns outros e repreendendo tudo que vá de encontro aos seus preceitos e crenças? Ou alguns dos vários outros exemplos que poderiam ser considerados e mencionados dentro deste padrão.
Se mentir um pouquinho, mesmo que seja pra arrancar um sorriso sincero e repleto de gratidão de um amigo ou inimigo, me excluir dessa lista – feito; Ficar com preguiça quando acordar de manhã no dia de realizar aquele trabalho voluntário com crianças em risco social que tanto me cativam – eu sou um péssimo exemplo; Invejar alguém por mais esdrúxulo que seja o motivo (lembrando dos ensinamentos advindos da boa educação que tive, onde se falava que não devemos prejudicar ninguém pela busca de interesses pessoais) – ta bom, já passei por isso também; Usar as roupas que eu quiser (tudo bem que não assustam tanto assim); ouvir as músicas que eu quiser, mesmo que estas não façam parte do top 10 da rádio mais ouvida entre minha faixa etária; não agradar a todos devido a uma sinceridade que, por vezes, me faz ser indelicado; ter opinião e não calar diante de um assunto que possa se tornar um debate; ser crítico com o que leio, assisto, ouço, vivo, convivo. Que seja, não quero ser do bem, tampouco “de bem”. Quero que o mal esteja presente em minhas atitudes e pensamentos, até porque o bonzinho, sem pensamentos malévolos (mesmo que sejam só pensamentos), cujo perfil de mocinho chega a dar náuseas, é chato demais pra quem quer viver a vida em sua plenitude, consumindo os minutos, os segundos, antes que eles consumam as suas oportunidades.
Dê-me a chance de ser mal, hora mal-sucedido, outrora mal educado, quiçá mal vestido ou mal falado. Dê-me o direito de fazer o bem, mas sem ser “do bem”, pois levar uma vida respeitando os que me respeitam, ajudando no que puder para a garantia de acesso de todos aos direitos constitucionais com universalidade, equidade, integralidade, fazem de mim um cidadão que talvez não seja uma pessoa “de bem”, mas sim uma pessoa cujas ressacas morais não me tragam noites mal dormidas.
Norhan Sumar
Pessoa "de bem" de Norhan Sumar é licenciado sob uma Licença Creative Commons Attribution-NonCommercial-NoDerivs 3.0 Unported.
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