domingo, 23 de janeiro de 2011

Amor... volátil

Aquele não era um local típico para uma conversa entre dois amigos de vinte e poucos anos em plena descoberta do que é o amor, se realmente o amor é alguma coisa, de quem é o amor e pra que é o amor. Estavam cercados por árvores altas o bastante para tornar o cantarolar de seus moradores apenas uma melodia de fundo. Alguns outros jogadores também estavam frente a frente, separados apenas por tabuleiros com peças em formatos de torre, cavalos, rainhas e reis. Era uma praça grande, com um lindo chafariz no centro e um caminho a radiá-lo, tornando-o tão imponente para o cenário que ele de fato parecia jorrar sua água com algum tom audaz. O som melódico de um chafariz a comandar uma orquestra de pássaros distantes em seus ninhos nos altos galhos chegava a abafar o som produzido palas águas do rio que passava atrás dos jogadores.

Voltemos aos dois amigos:

"Pedro, eu a amo tanto que fica difícil acreditar em vida sem ela." Confidenciou enquanto seu bispo findava os galopes de um dos cavalos do amigo adversário.

"Ah, Rafa..." Coçou a cabeça pensando no que falar e arriscando sua próxima jogada. "Você não precisa imaginar uma vida sem ela. Ela já faz parte da sua vida, mesmo que não haja mais nada entre vocês."

"Você realmente ajudou!"

"Você não acha egoísmo amar alguém e não prezar pela felicidade desse alguém?" Seus olhares se cruzaram por alguns segundos e voltaram para o tabuleiro. "

"Egoísmo?" Desta vez franzindo a testa esperando um recuo do amigo. "Você acha que amar alguém é ser egoísta? Que tipo de amor você conhece? O seu amor pela Paola, cercado de traições e deslealdade?

"Amar de longe não quer dizer amar de menos, caro amigo." Continuou Pedro, pacientemente... "Até porque, ela mora em outro estado e não temos um compromisso dos mais sérios. Acreditamos que amar um ao outro é muito mais do que selar um acordo de exclusividade superficial... No nosso caso, quanto mais restrições e normas, mais erros e mágoas."

"Parece fácil demais pra você, Pedro." Continuou Rafael com os olhos marejados. "Eu não tenho a mesma facilidade com as mulheres que você tem, sabe muito bem disso. Eu preciso dela"

Com seu cavalo remanescente, Pedro demoliu uma das torres de seu amigo, enquanto dizia "não acho que seja uma questão de facilidade com mulheres, amigo. Acho que seja uma questão de facilidade com você mesmo." Antes que Rafael pudesse falar, Pedro continuou: "Você a ama. O sentimento é seu e não dela, ele está em você e não nela... mesmo que seja por ela, não é dela, é seu. Assim como a sua necessidade de tê-la... São sentimentos seus e não dela... E os dela por você não são seus, são dela, naturalmente."

Rafael golpeou com tanta força a rainha de Pedro com sua torre que a fez cair no chão e rolar lentamente até um mergulho ornamental no rio. "Mas são sentimentos que precisam dela pra existir, pra crescer, pra serem saciados e vividos..." Seu rosto branco estava vermelho agora, com exceção da testa que continuava coberta pelos cabelos pretos bagunçados simetricamente.

Pedro deu sorriso pro amigo, era visível a admiração em seu rosto... "e que sem ela diminuem gradativamente... se com ela crescem e existem, sem ela tendem a diminuir, tornarem-se lembranças de um aprendizado a mais. E se você quiser, talvez nem existirão mais." Seu cavalo galopou mais um pouco, agora pra findar com o bispo do amigo. "Nosso amor é um só, amigo... Se amamos três pessoas diferentes, é com um mesmo amor manifestado de formas e intensidades diferentes... É um sentimento terno! Mas consideravelmente volátil, pouco selitivo, teimoso e meio burro as vezes... Mas é um só e é todo nosso. Por isso nada melhor para esquecer um amor que um novo amor... No fundo, é o mesmo amor com um foco diferente... Benditas sejam as mil caras do amor!" Falou, sorrindo novamente.

"Sem esse papo de mudar o foco..." Interrompeu a fala enquanto seu olhar seguia os passos daquela morena de cabelos cacheados e formas sinuosas, com uma linda saia longa branca de detalhes bordados e uma blusa que mostrava parte de uma flor pintada em seu ombro direito, combinando com a flor que ela trazia nos cabelos. "A não ser que o foco seja aquele" Completou, enquanto seus olhos fitavam estáticos aquele andar feminino que parecia ter sido coreografado - Pedro atacava mais uma de suas peças.

"Ju!" Gritou Pedro, fazendo todos os jogadores das mesas ao lado olharem para ele com certa repulsa pós-susto. "Uma amiga de classe." Sussurrou ao amigo enquanto fazia um gesto que pedia pela aproximação da menina. "Ela foi feita pra você... Vou só apresentar, você faz o resto." Intimou Pedro ao olhar para a expressão de pavor do amigo.

"Nem pensar, Pedro... Minhas mãos já estão suando"

"Então trate de não apertar a mão dela e vá direto ao beijo no rosto..." Completou dando um sorriso mais aberto que o normal.

"Você é louco! Estou indo embora." Ameaçou, começando a levantar desesperado.

Antes que Rafael pudesse completar sua ação desesperada de fuga, as mãos de Pedro tocaram seu ombro com tamanha segurança que o fizeram desistir do ato, seja por medo ou pela presença da linda menina, agora há apenas um metro de seu tremulo corpo. Eles se olharam nos olhos por alguns segundos até que ela hesitasse e começasse a observar o restante do cenário - desde a mesa de xadrez aos calçados que Rafael usava. Quando a coragem tomou conta de seus atos e ele finalmente resolveu se levantar, olhou do tabuleiro para os olhos cor de mel no alto daqueles 1.65 m de charme feminino e sentiu seu corpo queimar, seu coração acelerou tão rapidamente que ele poderia arriscar uns trezentos batimentos por minuto. Olhou finalmente para Pedro, que ao lado da linda menina e com um sorriso orgulhoso deixou que sua boca se movesse sem emitir nenhum som "xeque-mate".

Norhan Sumar

1 comentários:

clarisse lourenço disse...

Bonito...! :)

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