domingo, 12 de dezembro de 2010

O amante insensível

Trilha sugerida para esta leitura:


Eram cachos milimetricamente moldados, um rosto com traços de menina desafiadora, cuja inteligência emanava de cada sorriso dado por ela. Ele, por sua vez, já havia notado, já conhecia seus passos de charme e seus sambas de outros carnavais. Ele não sambava tão bem, nem mesmo dotava características dignas – a seu ver - de serem lembradas por ela. Arriscou, por vezes, uma aproximação atípica, hora tímida demais, outrora demasiada indiscreta. Como é de se imaginar, nada funcionou com aquela que era dona da beleza mais instigante e intrigante vista pelo rapaz. Os anos consumiram suas adolescências e os caminhos conduziram seus passos em direções opostas.
Fotografia de Finomaxpictures
Muitos temores, inúmeros amores, intempéries e perdas escreveram duas histórias diferentes, com alguns pontos em comum. Ele já não lembrava mais da menina que o fazia inspirar e transcrever em versos suas mágoas do amor não correspondido. Ela, que nunca pensara nele da mesma forma, talvez, com alguma sorte, até lembrasse seu nome. Mas eis que, em meio a multidões e carnavais, seus olhares se cruzaram novamente. Não houve samba mal sambado que o fizesse frear aquela ânsia pelo tropismo entre os dois. Para surpresa de todos, ele aprendera a sambar, ele sabia o que dizer sem ser tímido ou indiscreto. Ele dotava, finalmente, de traços que o fizesse notável, quiçá “lembrável”. Mas ela também caminhara na direção do novo. O olhar feminino mais penetrante, acompanhado daquele mesmo sorriso, agora travestido com a segurança e independência de uma mulher, permaneciam a deixá-lo em desvantagem.
Ele descobrira que outros sambaram melhor e antes dele, que seus passos não eram suficientemente convincentes para uma dança a dois. Ele percebeu que toda aquela sensibilidade e capacidade de entendê-la, de transcrevê-la, de senti-la, de nada adiantavam. Conheceu a maior perversidade do amor: as pessoas que aspiram por amores dolorosos e difíceis. E por ser generoso e sensível, aprendeu, e tornou-se o mais insensível dos amantes.

2 comentários:

Mariana Isaac disse...

Estou de boca aberta!! De onde vem tanta inteligência e inspiração?? Encantada...e como sempre, sem palavras...

Mariana Isaac disse...

Não canso de ler...

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