sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

O ódio do amor


Trilha sugerida para leitura

Tudo que fiz foi por amar você. Mas você não percebia não se importava” nesse momento uma lágrima deixou um de seus olhos e contornou a maçã de seu rosto como se estivesse tentando ser suave com ele. Ventava muito naquela noite, mas nenhuma nuvem apareceu para testemunhar suas palavras. Não havia ninguém nos arredores capaz de ouvi-lo a não ser ela. Um silêncio noturno trôpego, interrompido apenas pelos animais que os faziam companhia, foi a única resposta que ele obteve. Diante do silêncio dela, cortado agora pelo assobio de mais uma rajada de vento, ele fora remetido por suas memórias à momentos outros:
            Ele agora podia vê-la de pé ao seu lado, dentro de um vestido branco longo, com detalhes em dourado e uma tiara que surgia de dentro de seus lindos cabelos loiros e a faziam parecer uma princesa. Ele trajava um elegante fraque, com uma gravata borboleta que parecia ter sido desenhada em sua camisa branca. Eles sorriam felizes e amáveis, assim como as cerca de duzentas pessoas que assistiam sentados aquela cerimônia.
            Tudo escureceu e agora ele estava caminhando sobre pedras milimetricamente encaixadas, cercado por uma grama tão verde que parecia ter sido pintada á mão. Era sua casa, como era linda sua casa - Era o que pensava ao fitar a cena de longe - as luzes apagadas esperavam por ele atrás da porta. Mas bastou abri-la para que num súbito elas se acendessem e ele se deparasse com todos os seus amigos e família. Sua primeira festa surpresa. Foi recebido à porta por uma linda mulher, de traços delicados, sorriso sereno e cabelos loiros em dois tons, presos em um pequeno rabo de cavalo que preservava parte dele solto até as costas. Ele a viu beijá-lo de forma apaixonada e pode ler seus lábios charmosamente corados com um batom discreto dizendo "eu te amo, querido! Parabéns!" Sentiu então seu coração secar, como se todo seu sangue estivesse evitando aquele lugar obscuro e gélido. Seus olhos fecharam novamente.
            Ele estava em um lindo quarto agora, podia ver um homem de feições enraivecidas, bravejando de maneira veemente impropérios ininterruptos.
“Você vai devolver essa merda de cama e essa porra de televisão.” Dizia aos gritos.
”Mas querido, sou vice-presidente da empresa. É uma vitória nossa...” As palavras saiam relutantes de sua boca, como se enfrentassem uma resistência armada na altura da garganta. Ao contrário das lágrimas, que pareciam as águas de um rio a rumar para o mar.
“Então porque você é a bem-sucedida aqui significa que tenha que me esfregar isso na cara?” Apontava para a televisão com uma ira irreconhecível no olhar.
            As imagens embaçaram e perderam forma lentamente, até que ele pudesse ver um homem chorando ao contemplar aquele mesmo ambiente, agora com a televisão totalmente destruída, com cacos espalhados por todo o quarto.
            “Eu a amo tanto! Por que ela tem que ser assim? Tão egoísta. Ela é egoísta... Ela faz isso pra me humilhar. Ela não pode fazer isso comigo.” Repetia ele, tão baixo que mais parecia uma espécie de resmungo sem nexo.
            Ao olhar aquele homem, aquela parte dele mesmo, sentiu-se como se estivesse caindo de um abismo. Seus pés não pareciam tocar o chão. O peso de seu corpo recaiu sobre seus tornozelos com tamanha força que o fez ajoelhar aos prantos. Ele era o egoísta, ele não percebera o quanto era amado. Não ela. Ela se dedicava à sua maneira; preocupava-se à sua maneira, feminina e insaciável como a maioria das mulheres; o amava intensamente em gestos. Mas sua dúvida, insegurança, egoísmo, não o permitiram retribuir esse amor. Não o permitiram sequer notar esse amor e suas proporções.
            Ele sentiu como se suas pernas estivessem enterradas no chão, ficou imóvel sentindo apenas o peso do vento a secar suas lágrimas.
            Abriu novamente os olhos e agora estava caminhando pelas lembranças de um casal cuja mulher era linda, amável, dedicada e o homem era tão insensível e egoísta que não percebera. Ele agora a tinha nos braços. Caminhava lentamente por uma estrada de terra cercada de árvores tão altas que não se podia ver suas folhas mais altas naquela escuridão. O vento parecia colocar as mãos em seu peito e rosto, forçando-o ao regresso. Mas ele ignorava. Não chorava ainda, estava inerte, inclusive à mulher loira, angelicalmente linda em seus braços, de vestido verde com um tecido fino, estampado por sangue em quase toda sua extensão. Ele a colocou no chão, observado de longe por ele mesmo. Estava morta, ele havia matado a pessoa que mais queria bem. Por egoísmo, inveja, ciúme, amor, matou a mulher que tanto o amava.
            A lua brilhava grande no céu. Uma maestrina de garbo para as estrelas inúmeras e o coral da fauna que circundava a cena. E agora ele se sentia covarde por querer viver. Sentia-se vazio, sombrio e envergonhado.
            Foi quando ele viu escorregar uma lágrima de um dos olhos daquele homem.
“Tudo que fiz foi por amar você. Mas você não percebia, não se importava...”
Por Norhan Sumar

2 comentários:

Paulo Henrique disse...

Cade a trilha sonora??? Quando tiver trilha sonora eu leio...

Unknown disse...

Triste. Sequer sei o que comentar...

Postar um comentário