Foto: Mariana Rocha
Eu estava a caminho de um daqueles lugares que marcam as nossas infâncias, que representam partes importantes de nossas vidas. Eu já conseguia até mesmo sentir o cheirinho da casa, ouvir a voz da vovó chamando os netos para o café com bolinhos de chuva. Me emocionei com fato de poder visitar o porão das minhas lembranças e não via a hora de caminhar novamente pelos campos e estradas de barro puro nas quais eu costumava sujar de forma inexplicável as minhas roupas.
Mas quando eu cheguei nada era igual, nada estava no lugar. Nem mesmo a casa da vovó era a mesma, tampouco o pequeno monte que subíamos para trepar em árvores e escorregar na lama estavam ali. Tudo aquilo, aquelas lembranças, se resumiam a homens e máquinas trabalhando incansavelmente na construção de uma rodovia. Trabalhavam num ritmo tão intenso que pareciam ser capazes de terminá-la tão rápido quanto atravessá-la de ponta a ponta com o mais veloz dos carros.
Aquele lugar só poderia, dali em diante, ser visitado por mim através das minhas memórias, das lembranças que ainda trago daqueles momentos mágicos de felicidade infantil.
E assim é tudo nas nossas vidas. Tudo um dia pode virar lembrança sem aviso prévio. Tudo pode passar para o campo das memórias. As melhores fases de nossas vidas e as piores também, os nossos entes queridos e assim os mal quistos, as paixões, os desamores, as amizades, as loucuras, os excessos, as faltas, os amores, os amantes, os erros, os acertos, a própria vida.
Tantas são as lembranças e memórias da vida que muitos vivem somente de lamúrias ou glórias das vivências de outrora. Esses deixam de viver em plenitude o presente, talvez nem vislumbrem algum futuro diferente. Esperam por um futuro estático, morno. Definir o seu futuro sem abrir espaço para o incerto me soa como limitar as próprias memórias que virão... na verdade, planejar é sadio, mas querer manipular as próprias lembranças vindouras é um tanto quanto obsessivo.
Lembrar pode ser salutar. Eu me permito lembrar os traços que me orgulhavam nas pessoas que não estão mais entre nós (desencarnar, transcender, morrer, falecer, partir dessa para melhor... seja lá como for que você chame isso), pensar no que contribuíram para a formação do meu caráter; lembro dos momentos que me fizeram feliz, e até dos momentos que me fizeram triste, mas me permitiram crescer; as lembranças são puros reflexos da intensidade e do valor que você deu aos momentos vividos. Portanto não deixe de seguir com plenitude e saciedade os caminhos da vida, além de aproximar ao máximo as pessoas que te fazem bem, afinal, ninguém se contenta com lembranças superficiais e desinteressantes provenientes da negligência para com a prória existência. E como disse Virginia Woolf: “Não se pode ter paz evitando a vida.”
Norhan SumarO lembrar salutar de Norhan Sumar é licenciado sob uma Licença Creative Commons Attribution-NonCommercial-ShareAlike 3.0 Unported.
2 comentários:
Emocionante. Infelizmente esse é o tipo de combustível que me leva adiante.
Beijos.
Amigo, eu ainda não sei pq eu fico uns dias sem aparecer aqui... De repente, pra sentir isso o que estou sentindo agora, uma bela retratação de muitas emoções vividas. Incrivelmente emocionante!
Postar um comentário